24 de janeiro de 2013

VIDEOGAMES E ECONOMIA - Parte II





Retomando o raciocínio do post anterior (que você pode ler AQUI), os videogames serviram pra me interessar por Economia.

Durante a faculdade eu pude estudar formalmente o assunto. Minha monografia de conclusão de curso foi dedicada a analisar o mercado de games. Parti de duas concepções simples. A primeira: videogames são brinquedos. Sofisticados, sim, e cada vez mais inteligentes e funcionais. Mas são brinquedos.

A segunda: exatamente por serem brinquedos, videogames não podem ser caros. Ainda que a idade média dos jogadores esteja aumentando, a maior parte desse mercado é formada por consumidores jovens. Seja um adolescente que ganha mesada dos pais, seja um profissional recém-formado em início de carreira, nenhum dos dois tem grana sobrando. Jogar é um passatempo como qualquer outro, não deve custar muito mais do que o valor gasto em um ano com livros ou balada, por exemplo.

Sem se orientar por essa premissa simples, o mercado brasileiro de videogames ruiu. Pouquíssima gente podia se dar ao luxo de gastar o valor de 4 salários-mínimos em um brinquedo, por mais fantástico que ele fosse.

Fora daqui, o mercado continuou sua trajetória normal. Nos países em que eram vendidos por menos de 200 dólares, os videogames caíram de vez no gosto popular. A tecnologia dos CDs barateou bastante também o preço dos jogos. CDs de PlayStation eram vendidos por 10-15 dólares poucos meses após o lançamento, impulsionando ainda mais o consumo. O faturamento da indústria de jogos eletrônicos começou a ultrapassar, ano após ano, o faturamento de outros setores tradicionais de entretenimento, como o cinema.

No Brasil, os aparelhos passaram a ser conhecidos do grande público com uma geração de atraso. Em 1996, por exemplo, o primeiro mundo já se rendia ao PlayStation. Lara Croft (Tomb Raider) havia se tornado um fenômeno pop na Europa. Os japoneses veneravam os lutadores de Tekken, tiravam rachas em Ridge Racer com os amigos e famílias inteiras se divertiam com os jogos de dança como Bust a Movie. Nos EUA, o aparelho da Sony já começava a ser apontado como o videogame mais vendido da história. Enquanto isso os brasileiros continuavam envolvidos na disputa entre Mega Drive e Super NES, ambos já obsoletos.

No começo dos anos 2000, quando eu já estava terminando a faculdade, aconteceu algo parecido. O PlayStation só barateou (e se popularizou) no Brasil quando a Sony já lançava lá fora a segunda geração do aparelho (PS2), com o quádruplo de capacidade.

E alguns anos mais tarde, quando o PS2 enfim começava a invadir os lares brasileiros, os estrangeiros já estavam experimentando o PlayStation 3.

Acho que já me fiz entender. Fui pra faculdade estudar Economia e pude formalizar as ideias que já tinha antes sobre um mercado que eu sempre acompanhei de perto.

O curioso é que não fiz nenhuma conclusão original. Um bem de consumo de massa não pode ter seu preço desproporcional à renda média do consumidor. Isso não é uma sacada genial. É apenas bom senso.

Mas o mercado brasileiro não lida com bom senso. Para qualquer lugar que se olhe, há apenas mal-entendidos. Seja do governo, das empresas ou dos trabalhadores. Ninguém faz sua parte direito, mas todos têm as desculpas na ponta da língua – geralmente colocando a culpa no outro.

Em resumo, não dá pra tirar conclusão alguma disso tudo. Apenas que o mercado de videogames brasileiro, após um breve período de glória, entrou numa fase sem muitas perspectivas que perdura até hoje.

Mas e a faculdade de Economia? Não ajudou em nada, então?

Não é bem assim. A faculdade me permitiu conhecer algumas ferramentas de análise. Em Economia, a principal ferramenta é a comparação. Você pega alguns dados e compara um com o outro. E a partir dessa comparação tenta esboçar uma tendência.


Recentemente, um jogo chamado L.A. Noire me forneceu alguns dados. Toda a ação do jogo se passa em Los Angeles, na segunda metade da década de 40. É um jogo tão bem feito, com tanta riqueza de detalhes, que me permitiu fazer algumas comparações entre os Estados Unidos daquela época e o Brasil de hoje em dia.

Mostrarei essas comparações na terceira e última parte dessa série sobre videogames e economia. Prometo não demorar tanto dessa vez. Até lá.

28 de dezembro de 2012

VIDEOGAMES E ECONOMIA - Parte I




Minha irmã tem uma mania. Não chega a ser um defeito, mas é engraçado. Ela é curiosa e sempre pergunta alguma coisa a cada conversa nossa. Daí, de tempos em tempos, ela repete essa mesma pergunta. Ela não consegue evitar, faz parte da personalidade dela. Eu dou risada.

Passamos alguns dias juntos agora na semana do natal. E pra variar ela me fez uma pergunta que já tinha feito algumas vezes anos atrás. Ela queria saber por que escolhi fazer faculdade de Economia. E eu, como sempre, respondi que fiz Economia porque gosto de videogames.

Explico. Sempre gostei muito de videogames. Demais. Além de gostar de jogar, eu também sempre li bastante sobre o assunto. Na adolescência eu tive coleções inteiras de revistas que falavam de games. Essas revistas traziam a história por trás dos jogos, avaliações de cada videogame em particular e também anúncios com os preços dos aparelhos.

Esse último item, o preço, sempre me interessou muito. Afinal eu era somente um rapaz latino-americano de 13 anos e uns trocados no bolso. Era preciso fazer muitas contas antes de comprar o jogo do momento.

Naquela época não existia ainda o Real. No Brasil só havia umas moedas malucas, sem valor, que mudavam a cada ano. Como os videogames eram importados, seus preços eram cotados em dólar. Eu achava maneiro, já que isso facilitava na hora de fazer as contas.
 
Os aparelhos (Mega Drive ou Super NES) custavam 160 dólares em média. Os jogos (cartuchos), de 30 a 40 dólares. E ponto final.

Era uma época diferente. Os aparelhos era relativamente baratos, mas os cartuchos nem tanto. Todo mundo tinha um videogame, mas somente 2 ou 3 cartuchos. Era comum alugarmos os jogos. Todo bairro tinha uma locadora de videogames minimamente decente.

Só que aí veio 1994. No Brasil foi lançado o Plano Real e lá fora se iniciou a era PlayStation. O aparelho da Sony revolucionou o mercado de videogames. Embora muito mais sofisticado que os aparelhos anteriores, o PS usava CDs ao invés de cartuchos, o que tornava seus jogos mais acessíveis. Foi um videogame que quebrou recordes de venda e criou um novo padrão de consumo no mundo inteiro.

Mas aqui o mercado simplesmente enlouqueceu. Antes cotados em dólar, no Brasil os aparelhos e jogos passaram a ser vendidos em Reais. Porém, se os preços em dólares eram estáveis até 1993, a partir do ano seguinte eles passaram a ser remarcados todo mês. Videogames que custavam 160 dólares passaram a custar 200 reais. No mês seguinte eram vendidos a 250 reais. Um mês mais tarde, custavam 300. Algum tempo depois já estavam batendo na casa dos 500 reais. E continuaram subindo nesse ritmo nos anos seguintes. Detalhe: isso aconteceu numa época em que um real era praticamente o mesmo preço de um dólar.
 
Como resultado, enquanto o mundo via o PlayStation se tornar um fenômeno pop, no Brasil o mercado de videogames ficou estagnado. Nenhum aparelho da nova geração foi vendido por aqui oficialmente. Apenas aparelhos antigos eram vendidos. Vários foram relançados – alguns somente com a carcaça nova; outros, nem isso. Foi uma época ruim para os brasileiros fãs de jogos eletrônicos.

Para mim, do alto dos meus 15 anos, era óbvio que o mercado nacional de videogames se auto-destruiu. Em um curto espaço de tempo, vendedores completamente sem noção acabaram com um mercado dinâmico e bem estruturado. Por mais que gostasse de jogar, ninguém em sã consciência gastaria o equivalente a 10 salários-mínimos da época em um brinquedo. E eu fiquei sem comprar um videogame daquela geração. E também fiquei sem comprar um aparelho da geração seguinte (PlayStation 2). E só comprei um PS 3 com mais de 30 anos nas costas – e isso porque tenho um emprego com salário razoável e poucos gastos.

Enfim, voltando à minha adolescência, quando todo mundo tinha um videogame e de repente ninguém tinha mais nenhum, eu percebi que pra compreender melhor esse fenômeno eu precisaria aprender alguma coisa sobre o funcionamento dos mercados. Eu não me conformava com aquilo de não poder mais jogar os jogos que o mundo inteiro jogava. Queria entender o que causou essa reviravolta, o que exatamente estava impedindo a mim e aos meus amigos de passar os domingos detonando os lançamentos daquela semana, como a gente tinha se acostumado a fazer nos 5 anos anteriores.

Daí enfiei na cabeça que iria fazer vestibular pra Economia. E em 1999 lá estava eu de cara pintada e cabelo raspado assistindo à primeira aula do curso de Ciências Econômicas da Unesp em Araraquara.

E foi assim que os videogames me fizeram querer estudar Economia. Na segunda parte (que você pode ler clicando AQUI), eu explico mais detalhes sobre os estudos que fiz sobre os dois assuntos. Até lá.

2 de novembro de 2012

THE END: QUANDO O FINAL DA HISTÓRIA É A MELHOR PARTE DELA


Todo mundo gosta de surpresas. Elas nos fazem lembrar a infância, quando tudo era novo, tudo ainda estava por ser descoberto.

É legal, por exemplo, ver um filme ou livro que tenha um final surpreendente, inesperado. Você chega no fim e BUM! Se depara com algo completamente imprevisto, que te faz repensar todo o resto. E fica satisfeito por ter sido enganado de uma forma tão engenhosa.

Vamos aos exemplos.



Filmes


Old Boy – É um filme todo dedicado à vingança. Você nunca sabe exatamente por que ou contra quem. A revelação vem no fim, de repente. Vingador e vingado fazem um acerto de contas de um jeito inesperado e perturbador.




Antes do Pôr-do-Sol – Imagine 3 marmanjos entediados numa república estudantil domingo à tarde. Um amigo chega com um DVD na mão. Todos ficam paralisados por uma hora e meia vendo um filme de diálogos, muitos diálogos, com dezenas de palavras ditas a cada minuto. E depois do filme acabar eles ficam mais meia hora parados, quietos, tentando assimilar as duas últimas frases.


Livros


A Insustentável Leveza do Ser – É meu livro favorito. A história é contada fora de ordem cronológica. Você sabe desde o começo o que vai acontecer na vida de todos os personagens. Mas o escritor só revela o que cada um estava pensando ou sentindo quando eles aparecem pela última vez. Depois eu reli o livro em algumas ocasiões, mas quando terminei o livro pela primeira vez fiquei sem chão por todo o resto do dia.





Lavoura Arcaica – Esse eu li uma vez só. A história é confusa, a linguagem é arrastada. Passei o livro inteiro sem entender o que o escritor estava querendo dizer. Daí vem o último capítulo, as cartas são postas à mesa e o protagonista dá sua cartada final. É um soco na cara. Mais uma vez, fiquei algumas horas paralisado depois de terminar a última página.




Músicas

Eduardo e Mônica (clique pra ouvir) – Sei que pra muita gente é uma música batida, mas a primeira vez que ouvi essa canção eu já tinha uns 22 anos. E ouvi de forma inesperada, no rádio do walkman enquanto esperava o ônibus pra faculdade. É uma letra curiosa, o refrão é dito apenas no início e no final da música. E é justamente no fim que ele faz sentido.

Israel’s Son (clique pra ouvir) – Essa foi outra música que descobri tardiamente. Quer dizer, mais ou menos. Eu devia ter uns 18 anos. Mas me impressionei com o som que esses garotos fizeram quando ainda tinham 14-15 anos. A explosão no final, depois que parece que a música já acabou, me arrepia até hoje. Coisas do rock.

Dois pra Lá, Dois pra Cá (clique pra ouvir) – Mais uma música que “acaba” de repente e volta de maneira inusitada, ainda mais envolvente. E na voz dela, Elis, a maior de todas. Um bolerão rasgado, pra ser ouvido ao lado de um copo de whisky. De preferência curtindo uma fossa daquelas.


Games


The Legend of Zelda: Ocarina of Time – Um dos melhores jogos da história tem também o chefão final mais desafiador de todos os tempos. Ele surpreende porque é difícil de um jeito certo, honesto. A agilidade do jogador, sua destreza, raciocínio, capacidade de observação, tudo será testado na medida exata. E ao mesmo tempo.






Shinobi III: Return of the Ninja Master – Esse foi o auge da série Shinobi. É um game que também tem um chefão final tremendamente difícil. Aliás, toda a última fase é muito difícil. Mas, além de desafiador, é um jogo bastante intuitivo. Seu sucesso depende diretamente das habilidades desenvolvidas nas fases anteriores. Mesmo quando perde, o jogador não sai frustrado, pois dá pra perceber onde errou e o que está faltando.  E quando consegue finalizar, é gratificante.



Série de TV

24 Horas – As aventuras do agente secreto Jack Bauer são rápidas e cheias de reviravoltas. O roteiro é muito bem amarrado; é impossível comentar a história sem deixar escapar algum spoiler. A primeira temporada é uma obra-prima composta por 24 episódios. O último deles é o mais tenso e também o mais difícil de prever até os minutos finais. De perder o fôlego.


23 de outubro de 2012

NÃO! A CULPA NÃO É MINHA!



A economia brasileira oscilou um bocado no século XX. Cresceu muito em alguns momentos e despencou em outros, principalmente no final.

Daí vieram os anos 2000 e o Brasil voltou a crescer. E bastante. O desemprego começou a cair. Muitos conseguiram o seu primeiro emprego formal nessa época.

Ao mesmo tempo, a taxa de natalidade do país diminui ano a ano. O Brasil deixou de ser um país de jovens e crianças. Os adultos viraram maioria.

É uma situação interessante. Nunca em toda a sua história o Brasil teve tanta gente trabalhando. E trabalhando em boas condições, com remuneração digna, estável.

Resultado: boa parte população passou a ter condições de investir. Além da tradicional poupança, muitos começaram também a juntar uma graninha para, enfim, garantir sua casa própria.

Esse foi o primeiro problema. O pessoal começou a querer sair do aluguel, ter independência. Só que todo mundo teve a mesma ideia. As casas no bairro em que moravam estavam mais caras do que 10 anos atrás. Muito mais caras.

O jeito foi pesquisar em outros bairros, mais afastados. Vai ficar um pouco mais longe do trabalho e da faculdade, mas tudo bem. Vai demorar mais pra chegar em casa à noite, mas tudo bem. Vai ter que gastar mais tempo pra passear aos fins-de-semana e para visitar os parentes, mas tudo bem. Arrumar vaga na única creche da região será difícil, mas tudo bem.

Tudo bem?

Não, não está tudo bem. Desse jeito a qualidade de vida vai embora. Todo o tempo livre será perdido entre metrô e filas de ônibus.

Mas o que dá pra fazer? Vamos estudar mais, trabalhar mais, produzir mais. Quem sabe assim passamos a ganhar melhor e daí conseguimos uma casa mais bem localizada?

Ainda não foi dessa vez. Todo mundo teve a mesma ideia e os preços explodiram. Seu salário triplicou, mas aquele apartamento simpático de dois quartos no Tatuapé que você viu há alguns anos tá custando meio milhão de reais.

Meio milhão. É muito dinheiro.

O jeito é se conformar. Ficar em um bairro mais longe nem é tão ruim. A vila é tranquila, pessoal trabalhador. Ninguém nunca soube de um assalto na região e a feira de domingo é ótima.

O chato é o metrô lotado. Na ida e na volta. Não tem horário bom, tá sempre cheio, tenso. O pessoal entra empurrando.

A mulher sente mais, é mais frágil. Teve aquela vez em que ela foi empurrada pela multidão e torceu o pé quando as portas do metrô se abriram.

O corpo tava quente, a dor não incomodou na hora. Deu tempo de chegar à estação. Lá ela tinha ainda que pegar mais um ônibus até em casa. E esperou dois, três ônibus na fila, até conseguir entrar no próximo.

No trajeto do ônibus ela deu sorte, conseguiu um lugar pra sentar uns 15 minutos depois de embarcar. Já na cadeira, o pé começou a doer. O corpo esfriou, o resultado foi imediato. Sentia o tornozelo latejar, mas dava pra suportar. Mais meia hora e já estaria em casa.

Na hora de descer, um susto. O degrau do ônibus é alto, tem um buraco na calçada. O pé que estava doendo não aguenta o esforço e torce mais uma vez na hora de pisar no chão.

A dor a essa altura já estava insuportável. Ela sentia o pé inchado, o sapato apertado.

O caminho de meio quarteirão até o prédio de COHAB parece interminável. Mas ela consegue chegar no apartamento com a ajuda do porteiro. Cansada e morta de fome, ela precisa esperar o marido chegar para ajudá-la.

Quando ele chega, às 8 da noite, se assusta com o inchaço do pé da mulher. Tem que ir pro hospital. O mais próximo é uns 5 km dali. Precisam pegar dois ônibus até lá.

Vamos de táxi. Ele telefona no ponto da rua de cima. Naquela hora ninguém mais atende, só em horário comercial. Daí ele tenta o rádio-táxi e a atendente responde que não tem nenhum carro por aquela região da cidade. Não compensa pro motorista ir até lá e fazer só uma corrida.

Não tem mais o que fazer. Precisamos de uma carona. Vai até o porteiro, vê se conhece alguém. Alívio. Um vizinho, cara firmeza, topa levá-los ao pronto-socorro.

Depois de anestesiada, o pé dela é enfaixado. Quando estão voltando de táxi (perto do hospital havia um ponto 24hs), ele decide: precisa de um carro. A sensação de impotência naquelas últimas horas, a dor e o desespero no rosto da mulher, tudo aquilo mexeu demais com ele.

Já estava na hora, afinal. Ele tá com 30 anos e um salário razoável. Por que não?

Dizem que o governo tornou as coisas mais fáceis, qualquer um podia comprar um carro no Brasil. Mas ele percebeu que se parcelasse em 60 vezes daria pra pagar quase duas vezes o preço. Aliás, que preço, hein? 30 mil reais por um carro pequeno, comum.

Mas foi esse o jeito. Diante das circunstâncias, não ter o carro é pior do que gastar com ele. Foi lá e comprou. Ter uma caranga facilitaria, inclusive, naqueles dias em que ele tem pós-graduação e volta pra casa mais tarde.

Aliás, outro dia na aula o professor falou que o ideal seria que as pessoas optassem pelo transporte público. Se a frota de carros continuar crescendo, o trânsito só vai piorar.

Trânsito. Ele começou a pensar com seus botões. Ele e a mulher moram longe de tudo, mas não deveriam ter carro porque o carro deles faz o trânsito piorar. E não é só o trânsito. Um carro a mais na rua gera mais poluição e aumenta o risco de acidentes.

Eles poderiam morar num bairro melhor e não precisar do carro, claro. Só que é tudo caro demais. Muito mais do que eles conseguem pagar.

Mas é a lei do mercado. Oferta e demanda, né?

Já sei! E se a oferta de imóveis aumentasse? Não reduziria os preços?

Nem pensar! Ele se lembrou daquela aula de urbanismo. O texto falava que o grande problema é a verticalização dos bairros. Casas térreas, históricas, sendo demolidas para dar lugar a prédios e condomínios. Uma concentração absurda de gente, criando ainda mais trânsito, mais barulho, poluição, trânsito, filas no supermercado, lotação nas lojas, etc. Absurdo!

Temos aí uma conclusão bastante curiosa. As pessoas têm a oportunidade de subir de vida, trabalhando e estudando, mas a opinião pública diz que o aumento do padrão de vida delas é responsável pela catástrofe urbana.

Não pode construir nada nos bairros centrais, porque isso aumenta a verticalização dessas áreas e a concentração de pessoas. Essas pessoas devem morar longe do centro. Mas elas não podem ter carro também, pra não piorar o trânsito.

Portanto, o governo deve agir em duas frentes: diminuir o acesso ao crédito (onde já se viu parcelar carro em 60 vezes?) e impedir a construção de prédios residenciais em regiões bem localizadas (esse pessoal da periferia que fique por lá).

Na minha terra, isso se chama eugenismo. Ou gulag.

Faz 6 anos que vim pra São Paulo. Por enquanto, ao invés de Paulicéia, só encontrei Piratininga.