19 de março de 2009

RETRATOS DA VIDA A DOIS



Suponha um jovem casal, formado por duas pessoas que estejam lá pelos 20 e poucos anos. Ambos recém-formados ou já na reta final da faculdade, vivendo aquela fase de não querer mais morar com os pais, mas ainda sem grana suficiente para bancar uma casa.

Eles estão em início de carreira. A remuneração é baixa e às vezes nem isso. Um estágio, um treinamento, uma bolsa de estudos e olhe lá.

O caminho óbvio para os dois é juntar forças. Ajeitar um cantinho próprio pra conquistar a tão sonhada liberdade. Procuram alugar um apartamento pequeno, baratinho, de preferência perto do trabalho e/ou da faculdade. Se tiver um supermercado perto e um barzinho na rua de trás, perfeito.

Encontraram! O prédio é velhinho, meio zoado, mas o zelador é gente boa, o elevador funciona direitinho. E, vejam só, a padaria da esquina entrega leite na portaria.

A casa é pequena, sim, e o dinheiro é curto. Mas perde-se pouco tempo entre serviço, lazer e moradia. Quase não há o que administrar além do amor que os uniu.

Ela cozinha, ele lava. Eventualmente trocam de tarefas e dão risada quando tentam ensinar um ao outro. O grande barato, aliás, é ficar junto, conviver. Acaba sendo divertido aprender o dividir o espaço com o outro. Passeios no shopping e shows de rock tornam-se secundários.

E mesmo que fossem prioritários, não há dinheiro mesmo... O jeito é se adaptar.

Adaptação! Eis a palavra-chave.

Aos 20 e poucos anos é fácil se adaptar. Você já vem de um longo processo de adaptação, que começou lá nos seus 12-13 anos, quando seu corpo passou por tantas transformações que até você se assustou.

Durante esse meio-tempo ainda teve as equações de 1º e 2º graus, o primeiro beijo, a prova de Genética, o encontro com a vida noturna, a tabela periódica, a descoberta da ressaca e o vestibular. Você conheceu novos amigos, novas normas, novas regras, novos conceitos e novas concepções de vida.

Enfim, durante toda essa fase você é a adaptação em pessoa. Logo após a faculdade, a habilidade mais desenvolvida em qualquer pessoa é a sua adaptabilidade.

O que é bom, já que a vida imediatamente coloca toda essa capacidade à prova.

Uma vez superados os primeiros obstáculos, o casal satisfaz seus desejos iniciais e começa a cultivar novos sonhos. Um carro novo, um apartamento maior, bons restaurantes, uma viagem ao exterior, um filho.

O tempo ainda não é escasso, mas já não sobra aqueles minutinhos pra ficar à toa. Agora os dois estão cumprindo jornada integral fora de casa, chegam em casa à noite, cansados. As risadas pela casa agora são raras, eles passam a se curtir só nos finais de semana. Isso quando não precisam visitar os parentes ou amigos que os intimaram para aquele churrasco de domingo à tarde. As conversas mudaram.

A conta de luz tá alta. O cartão de crédito estourou quando você comprou aqueles sapatos novos. Quem mandou querer trocar o carro? Vamos aumentar o limite do cheque especial, então. E meu curso, quem que paga? Eu sabia que era pra ter comprado aquele aparelho de som naquele dia.

Os dias se tornam mais longos. O trabalho não é apenas cansativo, são obrigados a conviver com pessoas medíocres.

Chegando em casa, quero tomar banho, uma aspirina e direto pra cama.

Eles dão duro o mês inteiro, pagam as contas. Sobrou pouco.

Nossa, faz tempo que não vamos ao cinema. Eu deveria ter investido em ações.

A paciência foi embora, já estão na casa dos 30. Eles têm dois carros e uma poodle. Agora vão tentar financiar aquele apartamento. 15 anos, mais o FGTS dela.

Adaptabilidade, tolerância, serenidade, imaginação, criatividade. Tudo se esgotou em tão pouco tempo. A tendência é piorar. Um projeto em comum é capaz de uni-los novamente. Quem sabe se ela ficasse grávida.

Ele pediu demissão. Não suportava mais o Freitas da contabilidade, que sempre pedia pra ele somatizar a fatura antes de protocolizar no financeiro.

Ela tem vontade de bater, dar um soco no nariz dele, mandá-lo embora. Se contém, mas ele dorme aquela noite no sofá, com a poodle no colo.

Ele se levanta durante a noite. Está calor, quer um copo d’água. Caminha na ponta dos pés e passa na porta do quarto. Ela é linda dormindo. Saudade. E remorso. Mas ele pensa: por hoje chega.

Uma semana depois e ela ainda só responde sim e não. Voltarei a estudar – ele fala.

No primeiro mês venderam o carro novo. Depois as bicicletas e o anel que o pai dela lhe deu na formatura. Até aquele casaco horrível comprado numa noite gelada em Curitiba foi pro brechó.

O condomínio atrasou no mesmo mês que ele foi convocado pro novo emprego. Agora vai – pensou.

Boa parte do salário ainda vai pra pagar os empréstimos. Ainda falta terminar de pagar os livros e as apostilas, comprados no cartão de crédito. Mas já não tá pesando tanto. E o melhor de tudo: setembro é a última parcela.

Mesmo assim, ela ainda acha que ele foi irresponsável. Não se sente plenamente segura ao seu lado. Às vezes ele é tão moleque.

Antigamente era até engraçado. Teve aquela festa que a turma foi, mas o ingresso custava 80 reais e eles passaram o sábado assistindo Lost e fritando bolinhos de chuva. Ela sorriu só de lembrar. Mas agora aparece no extrato só 200 reais até o fim do mês. E acontecer alguma coisa? Ainda bem que não comprei aquela blusinha. Não tem mais graça nenhuma.

O que os faz continuar juntos? Adivinhe.

Ao invés do jovem casal, imagine agora um cara de quase 30 anos recém-casado com uma mulher mais velha, divorciada e com duas filhas. Eleve tudo ao cubo.

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