5 de setembro de 2009

COMÉDIA NERD




Aviso: quem era (pré) adolescente na primeira metade da década de 90 vai entender melhor.

Estávamos no auge da briga entre dois vídeo-games: Mega Drive de um lado e Super Nintendo de outro. Nas escolas, a molecada se reunia nos intervalos entre as aulas pra discutir o assunto. No pátio, nos corredores, na cantina, perto do portão, na quadra de futebol, onde fosse, o assunto era um só: a polêmica causada pelo lançamento do jogo Street Fighter II para o Mega Drive.

Street Fighter II, como todos sabem, foi um game absolutamente revolucionário. Ele alterou substancialmente todos os parâmetros conhecidos até então no segmento de jogos de luta. Logo após seu lançamento, em 1991, invadiu fliperamas em todo o planeta.

O primeiro vídeo-game doméstico a receber uma versão do jogo foi justamente o Super Nintendo, em 1992. Porém, com um ano de atraso, enfim os proprietários do Mega Drive também puderam descer a porrada em seus amigos em boas sessões de pancadaria virtual com a turma formada por Ryu, Ken e cia.

Cabia aos moleques de então discutirem, em qualquer oportunidade que aparecesse, qual versão de Street Fighter era melhor. Quais gráficos seriam mais bem feitos? Onde o som era mais nítido? Em qual plataforma a jogabilidade se aproximava mais do original do fliperama? Et cetera.

A disputa Mega Drive X Super Nintendo era comparável a uma ferrenha rivalidade futebolística. Os debates eram acalorados. Ocasionalmente, as discussões partiam para os finalmentes. Como os briguentos em questão sempre eram nerds (magricelas ou gordinhos), as trocas de sopapos nunca resultavam em algo mais que arranhões.

Enfim... Delimitado o contexto histórico, vamos aos fatos.

O ano era 1994, mais precisamente no mês de abril.

Num belo dia, um moleque da minha escola pediu pra mãe dele um Super Nintendo como presente de aniversário. Ou seja, decidiu ir pra turma dos bobos (eu era da turma do Mega Drive, claro).

O moleque era meio riquinho, metido a besta, então armou uma baita festança na ocasião. Chamou o povo de diversas classes da escola em que estudávamos, só pra se exibir.

Em toda conversa ele fazia questão de anunciar que ganharia um Super Nintendo de aniversário, vindo direto da loja de brinquedos mais careira da cidade. E junto ao aparelho viria também, claro, um cartucho novinho de Street Fighter, mais dois controles completos e alguns jogos extras.

Chega o grande dia. Na hora de abrir os presentes, todos os colegas de escola estavam perto do aniversariante, curiosíssimos para ver o tal vídeo-game. Eis que ele rasga o embrulho, e aparece um formidável Phantom System embalado com dois cartuchos, um das Tartarugas Ninja, outro do Rambo, mais uma pistola e dois controles.

(O parêntese se faz necessário para explicar que, lançado no final dos anos 80, em 1994 o Phantom System já era um vídeo-game defasado, com jogos ultrapassados, alguns deles risíveis, como esse das Tartarugas Ninja, por exemplo).

Diante de tal mico, o colega aniversariante, a grande estrela da noite, começa a gaguejar, soluçar e lacrimejar. A essa altura os colegas já soltam sonoras gargalhadas.

Quanto maior o estardalhaço causado pelas risadas dos convidados, mais o aniversariante contém as lágrimas. Devo confessar que ele foi muito forte naquele momento.

Quando parecia que ele não suportaria mais a pressão e faria um chilique daqueles, o garoto respira fundo, sai do meio da multidão e vai em direção à sua mãe. Queria perguntar a ela o porquê daquela troca absurda. Afinal de contas, ele havia explicado exatamente o aparelho que queria ganhar, já tinham visto o preço na loja, escolhido os jogos que estariam juntos no pacote, tudo direitinho.

A mãe, calma e sorridente, sem compreender as gargalhadas da garotada, pega – a caixa do Phantom System que escolheu com tanto carinho e responde:

– Ah, filhinho, aquele vídeo-game branco que você escolheu era feio, esquisito. Esse daqui eu achei mais bonitinho. Olha só, a fita dele é maior, o controle é bem grandão e vem com arminha de brinquedo junto. Deve ser muito mais legal.

O moleque, óbvio, saiu da escola ao fim do semestre.