15 de dezembro de 2009

1933 FOI UM ANO RUIM – JOHN FANTE


Estava procurando o clássico "Pergunte ao Pó", do próprio Fante, na prateleira da livraria. Não consegui encontrar e, confesso, comprei esse "1933..." como consolo, meio desconfiado.


Mas bastaram algumas linhas para vir a certeza de que é um baita livro. Apesar de tremendamente enxuto, com cento e poucas páginas.


Quanto à história, não importa que se passe na década de 30. Todo homem se reconhece imediatamente na pele do adolescente baixote com orelhas de abano que possui uma fé inabalável num talento que só ele é capaz de levar a sério. É isso que faz o texto ser bom.




Trecho:

– Quantos anos você tem? – ela perguntou.
– O bastante. Idade não é importante.
– Dezessete é importante. Você tem dezessete, não tem?
– Quase dezoito. 

Ela estacionou ao lado do meio-fio no Elks Club. 

– Visto que estamos fazendo perguntas, quantos anos você tem?
– Vinte e três.
– Não é velha demais.
– Velha demais para quê?
– Quer dizer, você não é uma mulher velha. 

Ela sorriu. 

– Velha demais para você. 

Não falei nada, mas não concordei. Ela poderia ter setenta anos e não teria importância. Quando ela tivesse oitenta, eu teria setenta e quatro, e quando ela chegasse aos cem eu teria noventa e quatro, então que droga de diferença a idade fazia? 

Desci do carro, minha virilha guinchando por socorro enquanto eu ficava ereto e sentia um aperto nas ferramentas. Mas o casaco de lã do meu irmão me cobria até os joelhos enquanto eu percorria sem vacilar os degraus cobertos de neve até o ginásio. 

(...) 

Ela foi até o fogão, sinuosa como uma cobra dourada; eu cravei os olhos nela como um esfomeado e senti um demônio insurgindo-se em mim, uma onda de urgência súbita, quem não arrisca não petisca, agora ou nunca, tudo ou nada. 

– Eu te amo – falei. 

Ela baixou o bule de café  e virou-se pensativa, achando e não achando engraçado, sem acreditar bem.

– Não seja bobo – ela disse, sorrindo.
– Eu te amo. 

Agora ou nunca. Me pus de pé  e me vi puxando na direção dela, caindo de joelhos à sua frente, meus braços em volta de seus quadris, meu rosto nas profundezas de seu vestido, e o demônio tentando-me totalmente sob seu poder. 

– Eu te amo, eu te amo!
– Pare com isso! 

Ela se contorcia e lutava para se libertar. 

– Me solte seu idiota! 

Mas o demônio me dava forças, e eu beijei a sua barriga e as suas coxas enquanto ela lutava para escapar. Então os pés dela escorregaram nos ladrilhos brilhantes, ela caiu em cima de mim, e eu encha-a de beijos, inspirado, e beijava agora o seu pescoço, depois seu joelho, a sua perna, o seu cotovelo, qualquer coisa ao alcance dos meus lábios.

8 de dezembro de 2009

PORRADA!




Sair no braço uma vez ou outra faz parte da formação masculina. Seja na escola, na academia, na rua ou no campinho de futebol da esquina, mais cedo ou mais tarde um garoto vai dar e receber algumas boas bordoadas.

Tem mulheres que ignoram solenemente essa parte do processo de formação do indivíduo masculino. Algumas mães simplesmente não aceitam e se escandalizam quando o pimpolho chega em casa com uns arranhões.

O que elas não entendem é que a energia que se tem quando somos moleques é algo completamente incontrolável, beira o infinito. É preciso descarregá-la de alguma forma.

Assim sendo, uma briga pode começar mesmo sem ter motivo. Basta apenas que dois moleques queiram chegar às vias de fato.

Cito um exemplo pessoal.

Minha família mudou de casa algumas vezes enquanto eu era criança. Apartamentos, edículas, lugares improvisados. Era o que dava para os meus pais pagarem.

Eu devia ter algo entre 7 e 8 anos quando nos mudamos pra um lugar realmente legal. Era uma casa grande, com 3 quartos, localizada em um bairro tranquilo, arborizado e cheio de crianças da minha idade.

Uma das lembranças mais fortes que eu tenho daquela época é que todos os dias, ao entardecer, eu pegava minha fiel BMX e dava uma volta pelos quarteirões vizinhos.

Eu sempre parava na frente de uma casa que era diferente das outras. Ela tinha um acabamento mais simples e não possuía calçada na frente, somente uma árvore imensa. Em cima da árvore sempre tava um moleque descalço, de cabelo pixaim meio aloirado, apenas me esperando.

Não precisávamos conversar, já sabíamos pra estávamos ali. Eu apoiava a minha BMX na árvore, ele descia da árvore e começávamos a lutar.

Nunca nos machucamos muito. Ele era somente um menino magricela e eu não tinha coordenação suficiente para acertá-lo em cheio.
Em poucos minutos, exaustos, nos despedíamos com algum grunhido e cada um voltava pra sua casa.

Na escola também tive meus momentos. Teve vez que senti medo, quando me estranhei com um grandalhão mais velho. E teve vez que banquei o fanfarrão – quando, no caso, eu era o grandalhão mais velho. Apanhei, bati, nada além do trivial.

Lá pelos meus 14 anos, a turma da escola começou a adotar em nossa rotina aquilo que era conhecido como “lutinha”. Na prática era um linchamento em forma de rodízio, em que a cada rodada um era o eleito pra ser o saco de pancadas do restante.

Era divertido, claro, mas com o passar dos anos começamos a ter problemas. Por dois motivos. Primeiro porque com a prática começamos a ter mais controle dos movimentos. Os golpes, antes atabalhoados, passaram a ser mais certeiros.

Em segundo lugar, porque o corpo de um garoto entre 15 e 17 anos tem um ganho considerável em massa muscular. Ou seja, os murros eram mais precisos e, também, mais fortes.

Não demorou muito para que os professores notassem que vivíamos com a pele esfolada e alguns hematomas. Depois do intervalo entre as aulas, às vezes voltávamos pra classe com as roupas encardidas, às vezes rasgadas.

Mas tudo só acabou mesmo quando uma das mães viu o filho saindo do banho, apenas com a toalha enrolada na cintura, e notou as marcas das pancadas. A reação dela foi tão previsível quanto inevitável: correu à escola, entrou na sala da diretora e fez um escândalo. E nós fomos proibidos de continuar com o nosso pugilato matinal.

Passei um longo tempo sem cerrar os punhos.

Anos depois, já terminando a faculdade, acabei entrando numa briga meio sem querer. Alguns amigos se encrencaram com um trio de desconhecidos. Um dos caras do outro lado era alto, musculoso, e partiu pra cima da gente, querendo resolver logo as coisas. Seus dois parceiros eram menores, mas também estavam dispostos a lutar e vieram junto.

Estávamos em maior número e levamos uma boa vantagem, principalmente depois que conseguimos controlar o marmanjo. Todos levamos alguns sopapos, eu mesmo tomei um soco na orelha que a fez zunir por dias, mas sem dúvida aqueles três apanharam bem mais.

Mas essa briga serviu, principalmente, pra me mostrar o quanto os anos de inatividade me prejudicaram. Percebi que mesmo me esforçando ao máximo meus golpes mal eram sentidos pelos caras.

Me senti mal com isso e voltei à boa e velha musculação.

Mas eu sei, claro, que na vida adulta é difícil, senão impossível, imaginar alguma situação em que eu possa me envolver numa troca de... que que é, hein? Tá me estranhando? Te quebro a cara...