Aviso: quem
era (pré) adolescente na primeira metade da década de 90 vai entender melhor.
Estávamos no
auge da briga entre dois vídeo-games: Mega Drive de um lado e Super Nintendo de
outro. Nas escolas, a molecada se reunia nos intervalos entre as aulas pra
discutir o assunto. No pátio, nos corredores, na cantina, perto do portão, na
quadra de futebol, onde fosse, o assunto era um só: a polêmica causada pelo
lançamento do jogo Street Fighter II para o Mega Drive.
Street
Fighter II, como todos sabem, foi um game absolutamente revolucionário. Ele
alterou substancialmente todos os parâmetros conhecidos até então no segmento
de jogos de luta. Logo após seu lançamento, em 1991, invadiu fliperamas em todo
o planeta.
O primeiro
vídeo-game doméstico a receber uma versão do jogo foi justamente o Super
Nintendo, em 1992. Porém, com um ano de atraso, enfim os proprietários do Mega
Drive também puderam descer a porrada em seus amigos em boas sessões de
pancadaria virtual com a turma formada por Ryu, Ken e cia.
Cabia aos
moleques de então discutirem, em qualquer oportunidade que aparecesse, qual
versão de Street Fighter era melhor. Quais gráficos seriam mais bem feitos? Onde
o som era mais nítido? Em qual plataforma a jogabilidade se aproximava mais do
original do fliperama? Et cetera.
A disputa
Mega Drive X Super Nintendo era comparável a uma ferrenha rivalidade
futebolística. Os debates eram acalorados. Ocasionalmente, as discussões
partiam para os finalmentes. Como os briguentos em questão sempre eram nerds
(magricelas ou gordinhos), as trocas de sopapos nunca resultavam em algo mais
que arranhões.
Enfim... Delimitado o contexto histórico, vamos aos fatos.
O ano era
1994, mais precisamente no mês de abril.
Num belo
dia, um moleque da minha escola pediu pra mãe dele um Super Nintendo como
presente de aniversário. Ou seja, decidiu ir pra turma dos bobos (eu era da
turma do Mega Drive, claro).
O moleque
era meio riquinho, metido a besta, então armou uma baita festança na ocasião. Chamou
o povo de diversas classes da escola em que estudávamos, só pra se exibir.
Em toda
conversa ele fazia questão de anunciar que ganharia um Super Nintendo de
aniversário, vindo direto da loja de brinquedos mais careira da cidade. E junto
ao aparelho viria também, claro, um cartucho novinho de Street Fighter, mais dois
controles completos e alguns jogos extras.
Chega o
grande dia. Na hora de abrir os presentes, todos os colegas de escola estavam
perto do aniversariante, curiosíssimos para ver o tal vídeo-game. Eis que ele
rasga o embrulho, e aparece um formidável Phantom
System embalado com dois cartuchos, um das Tartarugas Ninja, outro do
Rambo, mais uma pistola e dois controles.
(O parêntese
se faz necessário para explicar que, lançado no final dos anos 80, em 1994 o Phantom System já era um vídeo-game
defasado, com jogos ultrapassados, alguns deles risíveis, como esse das
Tartarugas Ninja, por exemplo).
Diante de
tal mico, o colega aniversariante, a grande estrela da noite, começa a
gaguejar, soluçar e lacrimejar. A essa altura os colegas já soltam sonoras
gargalhadas.
Quanto maior
o estardalhaço causado pelas risadas dos convidados, mais o aniversariante
contém as lágrimas. Devo confessar que ele foi muito forte naquele momento.
Quando
parecia que ele não suportaria mais a pressão e faria um chilique daqueles, o
garoto respira fundo, sai do meio da multidão e vai em direção à sua mãe. Queria
perguntar a ela o porquê daquela troca absurda. Afinal de contas, ele havia explicado
exatamente o aparelho que queria ganhar, já tinham visto o preço na loja,
escolhido os jogos que estariam juntos no pacote, tudo direitinho.
A mãe, calma
e sorridente, sem compreender as gargalhadas da garotada, pega – a caixa do Phantom System que escolheu com tanto
carinho e responde:
– Ah,
filhinho, aquele vídeo-game branco que você escolheu era feio, esquisito. Esse
daqui eu achei mais bonitinho. Olha só, a fita dele é maior, o controle é bem
grandão e vem com arminha de brinquedo junto. Deve ser muito mais legal.
O moleque, óbvio, saiu da escola ao fim do semestre.