16 de fevereiro de 2010

SÁBADO, 3 DA MANHÃ


 
¾                Chega, vamo embora.



Minutos depois, no carro, ela pergunta:



¾                Por que você quis sair daquele jeito? Eu nunca te vi assim.

¾                Porque eu tava de saco cheio, não aguentava mais!

¾                Não aguentava mais o quê? Do que você tá falando?

¾                Não aguentava mais aquela babaquice de dança, aquele monte de gente rodando, aquela música idiota.

¾                Como assim? Você adora dançar.

¾                Eu odeio dançar!

¾                Quê?

¾                Não gosto de dança, não gosto de forró, não gosto dessa merda.

¾                Mas você que escolheu vir nesse lugar.

¾           Escolhi porque eu sou um bosta. Escolhi porque sou um burro. Se eu fosse homem de verdade, tinha te levado pra uma balada que eu gosto. E pronto!

¾                Não tô te entendendo. Que negócio é esse de balada que você gosta?

¾               Te levei pro forró porque você gosta de dançar, porque queria te agradar.

¾        Ué, mas eu sempre pensei que você ia lá no forró porque gostava também. Eu até te conheci na lá quadra com o pessoal dançando.

¾         Mas eu não gosto. Não gosto de nada daquilo. Pra mim é uma merda. Ficar trinta horas ouvindo aquilo. Aquela bosta de música. Um monte de idiota sem assunto. Um se exibindo pro outro, todo mundo de passinho ensaiado.

¾           Só que você era um idiota desses até dez minutos atrás. E foi assim que você me conheceu, tá lembrado?

¾           Ah, tá OK. Que ótimo! Eu dei uma dançadinha ali, fiz o meu esquema e te conheci. Beleza! Fiz ali uma graça e te convenci a sair comigo. Olha só!

¾                E não tá bom?

¾                Não, não tá bom coisa nenhuma.

¾                E por que que não tá bom essa merda, então, caramba?

¾                Por que era hora de dar o próximo passo.

¾                Que passo? Do que cê tá falando, cara? Desembucha.

¾                Eu sou um pateta e continuo sem pensar em mim mesmo, só penso nos outros.

¾                Tá, desisto. Eu não fiz nada, tá legal? Eu não fiz nada.



Ele acusou o golpe. Percebeu que se fez de vítima, como um moleque.

Sabia que ela não havia feito nada demais. Ela só tava conversando com aquele cabeludo. Mais nada. Uma risada, uma cerveja. Só.


Ele percebeu o quanto foi fraco. O quanto pareceu fraco. Mas ele não sabia ser de outro jeito. Isso era um problema.

Era duro também sentir aquele perfume. O pescoço dela ainda estava quente, o cabelo suado na nuca. A calça começou a apertar. Fica chato tirar a mão do volante só pra ajeitar. Não tinha clima, ainda não se sentia confortável ao lado dela.

Ele abriu mais a janela do seu lado, respirou fundo. Conseguiu se acalmar.



¾                Tá bom, vou te explicar. Homem não gosta de dançar. É chato, não tem nada a ver. Tipo aquele Varanda’s, o que que é aquilo?

¾                Que, o Varanda’s? Ah, eu acho lá tão legal. Cheio de gente bonita.



Ela não podia ter dito isso. Gente bonita? Era difícil acreditar. Não combinava com aquele papo que tiveram na semana passada.



¾     O Varanda’s é legal pra você e praquele bando de bicha lá da sua faculdade. Aquele povo besta de arquitetura, tudo filhinho-de-papai.

¾                Do que que cê tá falando? Eu sou besta, agora, seu grosso?

¾                Não, não é besta. Mas tá aqui comigo.

¾                Devo ser besta mesmo, então.
 
¾                Eu não tô falando isso.

¾              Tá falando do que, então, cara? Que saco. Cê me fez perder a balada e agora fica aí de nhenhenhém?



A situação ficou fora de controle. Ele se apequenou, ela cresceu em cima dele.



¾              Não, porra. Eu só tô falando que no Varanda’s dá pra pegar mulher. Dá pra pegar, é mais fácil. É só saber se virar.

¾           Ah, tá. Agora o Varanda’s serve pra alguma coisa. Lá dá pra pegar mulher. E quem mais você pegou lá? Me fala!

¾          Não! Eu não peguei ninguém, cacete. Eu só disse que você tá aqui, comigo, porque eu me virei. Eu fui lá e te chamei pra dançar. Eu te tirei daquela rodinha e consegui conversar com você. Seu eu fosse só um tonto parado lá no meio cê nem tinha me dado bola. Dançar foi um mal necessário. É isso, um mal necessário. Dançar é um mal necessário.

¾                Opa! Temos uma confissão, senhores jurados. Tá querendo me dizer que se você não dançasse não pegava ninguém?



Ele quase atravessou o sinal vermelho. Não via a hora de chegar logo em casa e agora tinha que ficar parado no cruzamento. E o pior: ela venceu. Mandá-la descer do carro a essa altura seria apenas reconhecer isso.

Por sorte já estavam perto da casa dela.

Ele estacionou e forçou um bocejo, pra mostrar que estava cansado demais pra se despedir.

Ela ficou com pena dele, claro, mas não resistiu. Quis dar o tiro de misericórdia. Ela se virou pro lado, pra mostrar melhor o decote. Ao perceber que ele olhou para baixo em sua direção, ela deu um sorriso com o canto da boca e disparou.



¾                Você não precisava ter me tirado pra dançar. Eu te achei mais bonito que o Marquinho desde o começo.