17 de setembro de 2011

DEZESSETE


Nunca pensei que fizesse tanto frio em Goiás. Depois de tanto tempo no Mato Grosso a gente acha que o Centro-Oeste inteiro é uma estufa. Achei errado, pra variar.

Se fosse só o frio eu ainda tirava de letra. E esse cabelo, o que eu faço com ele? Tá grande, bagunçado pra burro. Faço trança, black power, deixo assim mesmo?

Provavelmente vão raspar no exército. Isso, claro, se eu não escapar. Dizem que alguns podem ser convocados, mesmo se alistando em Nova Europa. Se eles forem com a tua cara e você se mostrar muito afim, pode ser que role. Naturalmente, eu não tô nada afim. Senão não tava indo me alistar lá. Mas vai saber o que se passa na cabeça desses caras.

Caraca, que frio bizarro.

E aquela gostosa do fundão do ônibus, hein? Que pernas. A filha da mãe ainda me coloca aquela saia. Nada a ver aquele magricela cheio de dente amarelo do lado dela. O cara deve ter alugado a guria desde Porto Velho. Imagina o bafo. Tem hora que mulher sofre. Não deve ser legal ser gostosa o tempo todo. Aturar um retardado daquele durante uma viagem de 40 horas é um castigo. Um castigo pior que todos aqueles imaginados pelas barangas que tinham inveja dela na escola.

Se bem que fazer uma viagem de 40 horas já é um castigo por si só. Todo esse tempo de estrada acaba com qualquer um. O trecho que eu pego dá umas 20 horas e eu já saio do ônibus me sentindo virado do avesso. Esse povo que vai de Porto Velho até São Paulo é guerreiro demais, tá louco.

Como será que o pessoal lá de Rondônia se vira em São Paulo? Aquela cidade é pesada, difícil. Só vou lá a passeio, visitar a parentada. E olhe lá. Imagina pegar metrô depois de 40 horas de ônibus. Cansa só de pensar. E em São Paulo deve tá mais frio ainda do que aqui. Será que essa gente tem roupa pra suportar tudo isso?

Aliás, eu quero só ver o que eu vou fazer nesses meses. Tô levando só duas blusas. Tem aquela do Mickey que ganhei quando tinha uns 12 anos e aquela Chicago Bulls que ficou rosa depois de lavar. É, não tenho roupa de frio.

Eu gosto do frio. Esse ar gelado parece que abre os pulmões. Só de não ficar o tempo inteiro suando já dá um alívio. Às vezes parece que até meu cabelo fica melhor, sem aquele calor todo. Se bem que meu cabelo tá uma droga. Haja frio pra melhorar. Com o tempo, talvez. Acho que qualquer um que fique mais de alguns meses em Rondonópolis passa a gostar de frio. Treze anos naquele forno. Nunca mais. Só volto lá pra visitar a minha mãe. E minha irmã. Algum amigo ou outro. Seria legal voltar lá depois da faculdade. Será que mais alguém vem prestar vestibular na Unesp?

Vai ser foda se eu não passar. Será que eu vou ter que voltar? Onde eu fico? Meu pai não vai mais morar lá.

Isso, claro, se o velho for mesmo tentar o tal doutorado na USP. Daí eu passo uma temporada com ele em Sampa. Sampa. Palavra idiota. Pior é aquele cara de São Carlos chamando a cidade de Sanca. Quanto tempo será que demora daqui a São Carlos?

O que daria pra fazer em São Paulo? Estudar lá deve ser foda. Todo mundo grilado, aquele monte de japonês. Bom, isso, se acontecer, vai ser só no ano que vem. Até lá eu ainda tenho que fazer essa merda de vestibular. E me alistar no exército. Tô com fome.

Cacete, o ônibus tá saindo.

– Ei, motorista! Espera aí!
– Tá pensando na vida, guri? Vambora!

Cadê minha poltrona? Droga, não dá pra ver nada. Opa, tá aqui. E a gostosa, entrou?