28 de dezembro de 2012

VIDEOGAMES E ECONOMIA - Parte I




Minha irmã tem uma mania. Não chega a ser um defeito, mas é engraçado. Ela é curiosa e sempre pergunta alguma coisa a cada conversa nossa. Daí, de tempos em tempos, ela repete essa mesma pergunta. Ela não consegue evitar, faz parte da personalidade dela. Eu dou risada.

Passamos alguns dias juntos agora na semana do natal. E pra variar ela me fez uma pergunta que já tinha feito algumas vezes anos atrás. Ela queria saber por que escolhi fazer faculdade de Economia. E eu, como sempre, respondi que fiz Economia porque gosto de videogames.

Explico. Sempre gostei muito de videogames. Demais. Além de gostar de jogar, eu também sempre li bastante sobre o assunto. Na adolescência eu tive coleções inteiras de revistas que falavam de games. Essas revistas traziam a história por trás dos jogos, avaliações de cada videogame em particular e também anúncios com os preços dos aparelhos.

Esse último item, o preço, sempre me interessou muito. Afinal eu era somente um rapaz latino-americano de 13 anos e uns trocados no bolso. Era preciso fazer muitas contas antes de comprar o jogo do momento.

Naquela época não existia ainda o Real. No Brasil só havia umas moedas malucas, sem valor, que mudavam a cada ano. Como os videogames eram importados, seus preços eram cotados em dólar. Eu achava maneiro, já que isso facilitava na hora de fazer as contas.
 
Os aparelhos (Mega Drive ou Super NES) custavam 160 dólares em média. Os jogos (cartuchos), de 30 a 40 dólares. E ponto final.

Era uma época diferente. Os aparelhos era relativamente baratos, mas os cartuchos nem tanto. Todo mundo tinha um videogame, mas somente 2 ou 3 cartuchos. Era comum alugarmos os jogos. Todo bairro tinha uma locadora de videogames minimamente decente.

Só que aí veio 1994. No Brasil foi lançado o Plano Real e lá fora se iniciou a era PlayStation. O aparelho da Sony revolucionou o mercado de videogames. Embora muito mais sofisticado que os aparelhos anteriores, o PS usava CDs ao invés de cartuchos, o que tornava seus jogos mais acessíveis. Foi um videogame que quebrou recordes de venda e criou um novo padrão de consumo no mundo inteiro.

Mas aqui o mercado simplesmente enlouqueceu. Antes cotados em dólar, no Brasil os aparelhos e jogos passaram a ser vendidos em Reais. Porém, se os preços em dólares eram estáveis até 1993, a partir do ano seguinte eles passaram a ser remarcados todo mês. Videogames que custavam 160 dólares passaram a custar 200 reais. No mês seguinte eram vendidos a 250 reais. Um mês mais tarde, custavam 300. Algum tempo depois já estavam batendo na casa dos 500 reais. E continuaram subindo nesse ritmo nos anos seguintes. Detalhe: isso aconteceu numa época em que um real era praticamente o mesmo preço de um dólar.
 
Como resultado, enquanto o mundo via o PlayStation se tornar um fenômeno pop, no Brasil o mercado de videogames ficou estagnado. Nenhum aparelho da nova geração foi vendido por aqui oficialmente. Apenas aparelhos antigos eram vendidos. Vários foram relançados – alguns somente com a carcaça nova; outros, nem isso. Foi uma época ruim para os brasileiros fãs de jogos eletrônicos.

Para mim, do alto dos meus 15 anos, era óbvio que o mercado nacional de videogames se auto-destruiu. Em um curto espaço de tempo, vendedores completamente sem noção acabaram com um mercado dinâmico e bem estruturado. Por mais que gostasse de jogar, ninguém em sã consciência gastaria o equivalente a 10 salários-mínimos da época em um brinquedo. E eu fiquei sem comprar um videogame daquela geração. E também fiquei sem comprar um aparelho da geração seguinte (PlayStation 2). E só comprei um PS 3 com mais de 30 anos nas costas – e isso porque tenho um emprego com salário razoável e poucos gastos.

Enfim, voltando à minha adolescência, quando todo mundo tinha um videogame e de repente ninguém tinha mais nenhum, eu percebi que pra compreender melhor esse fenômeno eu precisaria aprender alguma coisa sobre o funcionamento dos mercados. Eu não me conformava com aquilo de não poder mais jogar os jogos que o mundo inteiro jogava. Queria entender o que causou essa reviravolta, o que exatamente estava impedindo a mim e aos meus amigos de passar os domingos detonando os lançamentos daquela semana, como a gente tinha se acostumado a fazer nos 5 anos anteriores.

Daí enfiei na cabeça que iria fazer vestibular pra Economia. E em 1999 lá estava eu de cara pintada e cabelo raspado assistindo à primeira aula do curso de Ciências Econômicas da Unesp em Araraquara.

E foi assim que os videogames me fizeram querer estudar Economia. Na segunda parte (que você pode ler clicando AQUI), eu explico mais detalhes sobre os estudos que fiz sobre os dois assuntos. Até lá.

2 de novembro de 2012

THE END: QUANDO O FINAL DA HISTÓRIA É A MELHOR PARTE DELA


Todo mundo gosta de surpresas. Elas nos fazem lembrar a infância, quando tudo era novo, tudo ainda estava por ser descoberto.

É legal, por exemplo, ver um filme ou livro que tenha um final surpreendente, inesperado. Você chega no fim e BUM! Se depara com algo completamente imprevisto, que te faz repensar todo o resto. E fica satisfeito por ter sido enganado de uma forma tão engenhosa.

Vamos aos exemplos.



Filmes


Old Boy – É um filme todo dedicado à vingança. Você nunca sabe exatamente por que ou contra quem. A revelação vem no fim, de repente. Vingador e vingado fazem um acerto de contas de um jeito inesperado e perturbador.




Antes do Pôr-do-Sol – Imagine 3 marmanjos entediados numa república estudantil domingo à tarde. Um amigo chega com um DVD na mão. Todos ficam paralisados por uma hora e meia vendo um filme de diálogos, muitos diálogos, com dezenas de palavras ditas a cada minuto. E depois do filme acabar eles ficam mais meia hora parados, quietos, tentando assimilar as duas últimas frases.


Livros


A Insustentável Leveza do Ser – É meu livro favorito. A história é contada fora de ordem cronológica. Você sabe desde o começo o que vai acontecer na vida de todos os personagens. Mas o escritor só revela o que cada um estava pensando ou sentindo quando eles aparecem pela última vez. Depois eu reli o livro em algumas ocasiões, mas quando terminei o livro pela primeira vez fiquei sem chão por todo o resto do dia.





Lavoura Arcaica – Esse eu li uma vez só. A história é confusa, a linguagem é arrastada. Passei o livro inteiro sem entender o que o escritor estava querendo dizer. Daí vem o último capítulo, as cartas são postas à mesa e o protagonista dá sua cartada final. É um soco na cara. Mais uma vez, fiquei algumas horas paralisado depois de terminar a última página.




Músicas

Eduardo e Mônica (clique pra ouvir) – Sei que pra muita gente é uma música batida, mas a primeira vez que ouvi essa canção eu já tinha uns 22 anos. E ouvi de forma inesperada, no rádio do walkman enquanto esperava o ônibus pra faculdade. É uma letra curiosa, o refrão é dito apenas no início e no final da música. E é justamente no fim que ele faz sentido.

Israel’s Son (clique pra ouvir) – Essa foi outra música que descobri tardiamente. Quer dizer, mais ou menos. Eu devia ter uns 18 anos. Mas me impressionei com o som que esses garotos fizeram quando ainda tinham 14-15 anos. A explosão no final, depois que parece que a música já acabou, me arrepia até hoje. Coisas do rock.

Dois pra Lá, Dois pra Cá (clique pra ouvir) – Mais uma música que “acaba” de repente e volta de maneira inusitada, ainda mais envolvente. E na voz dela, Elis, a maior de todas. Um bolerão rasgado, pra ser ouvido ao lado de um copo de whisky. De preferência curtindo uma fossa daquelas.


Games


The Legend of Zelda: Ocarina of Time – Um dos melhores jogos da história tem também o chefão final mais desafiador de todos os tempos. Ele surpreende porque é difícil de um jeito certo, honesto. A agilidade do jogador, sua destreza, raciocínio, capacidade de observação, tudo será testado na medida exata. E ao mesmo tempo.






Shinobi III: Return of the Ninja Master – Esse foi o auge da série Shinobi. É um game que também tem um chefão final tremendamente difícil. Aliás, toda a última fase é muito difícil. Mas, além de desafiador, é um jogo bastante intuitivo. Seu sucesso depende diretamente das habilidades desenvolvidas nas fases anteriores. Mesmo quando perde, o jogador não sai frustrado, pois dá pra perceber onde errou e o que está faltando.  E quando consegue finalizar, é gratificante.



Série de TV

24 Horas – As aventuras do agente secreto Jack Bauer são rápidas e cheias de reviravoltas. O roteiro é muito bem amarrado; é impossível comentar a história sem deixar escapar algum spoiler. A primeira temporada é uma obra-prima composta por 24 episódios. O último deles é o mais tenso e também o mais difícil de prever até os minutos finais. De perder o fôlego.


23 de outubro de 2012

NÃO! A CULPA NÃO É MINHA!



A economia brasileira oscilou um bocado no século XX. Cresceu muito em alguns momentos e despencou em outros, principalmente no final.

Daí vieram os anos 2000 e o Brasil voltou a crescer. E bastante. O desemprego começou a cair. Muitos conseguiram o seu primeiro emprego formal nessa época.

Ao mesmo tempo, a taxa de natalidade do país diminui ano a ano. O Brasil deixou de ser um país de jovens e crianças. Os adultos viraram maioria.

É uma situação interessante. Nunca em toda a sua história o Brasil teve tanta gente trabalhando. E trabalhando em boas condições, com remuneração digna, estável.

Resultado: boa parte população passou a ter condições de investir. Além da tradicional poupança, muitos começaram também a juntar uma graninha para, enfim, garantir sua casa própria.

Esse foi o primeiro problema. O pessoal começou a querer sair do aluguel, ter independência. Só que todo mundo teve a mesma ideia. As casas no bairro em que moravam estavam mais caras do que 10 anos atrás. Muito mais caras.

O jeito foi pesquisar em outros bairros, mais afastados. Vai ficar um pouco mais longe do trabalho e da faculdade, mas tudo bem. Vai demorar mais pra chegar em casa à noite, mas tudo bem. Vai ter que gastar mais tempo pra passear aos fins-de-semana e para visitar os parentes, mas tudo bem. Arrumar vaga na única creche da região será difícil, mas tudo bem.

Tudo bem?

Não, não está tudo bem. Desse jeito a qualidade de vida vai embora. Todo o tempo livre será perdido entre metrô e filas de ônibus.

Mas o que dá pra fazer? Vamos estudar mais, trabalhar mais, produzir mais. Quem sabe assim passamos a ganhar melhor e daí conseguimos uma casa mais bem localizada?

Ainda não foi dessa vez. Todo mundo teve a mesma ideia e os preços explodiram. Seu salário triplicou, mas aquele apartamento simpático de dois quartos no Tatuapé que você viu há alguns anos tá custando meio milhão de reais.

Meio milhão. É muito dinheiro.

O jeito é se conformar. Ficar em um bairro mais longe nem é tão ruim. A vila é tranquila, pessoal trabalhador. Ninguém nunca soube de um assalto na região e a feira de domingo é ótima.

O chato é o metrô lotado. Na ida e na volta. Não tem horário bom, tá sempre cheio, tenso. O pessoal entra empurrando.

A mulher sente mais, é mais frágil. Teve aquela vez em que ela foi empurrada pela multidão e torceu o pé quando as portas do metrô se abriram.

O corpo tava quente, a dor não incomodou na hora. Deu tempo de chegar à estação. Lá ela tinha ainda que pegar mais um ônibus até em casa. E esperou dois, três ônibus na fila, até conseguir entrar no próximo.

No trajeto do ônibus ela deu sorte, conseguiu um lugar pra sentar uns 15 minutos depois de embarcar. Já na cadeira, o pé começou a doer. O corpo esfriou, o resultado foi imediato. Sentia o tornozelo latejar, mas dava pra suportar. Mais meia hora e já estaria em casa.

Na hora de descer, um susto. O degrau do ônibus é alto, tem um buraco na calçada. O pé que estava doendo não aguenta o esforço e torce mais uma vez na hora de pisar no chão.

A dor a essa altura já estava insuportável. Ela sentia o pé inchado, o sapato apertado.

O caminho de meio quarteirão até o prédio de COHAB parece interminável. Mas ela consegue chegar no apartamento com a ajuda do porteiro. Cansada e morta de fome, ela precisa esperar o marido chegar para ajudá-la.

Quando ele chega, às 8 da noite, se assusta com o inchaço do pé da mulher. Tem que ir pro hospital. O mais próximo é uns 5 km dali. Precisam pegar dois ônibus até lá.

Vamos de táxi. Ele telefona no ponto da rua de cima. Naquela hora ninguém mais atende, só em horário comercial. Daí ele tenta o rádio-táxi e a atendente responde que não tem nenhum carro por aquela região da cidade. Não compensa pro motorista ir até lá e fazer só uma corrida.

Não tem mais o que fazer. Precisamos de uma carona. Vai até o porteiro, vê se conhece alguém. Alívio. Um vizinho, cara firmeza, topa levá-los ao pronto-socorro.

Depois de anestesiada, o pé dela é enfaixado. Quando estão voltando de táxi (perto do hospital havia um ponto 24hs), ele decide: precisa de um carro. A sensação de impotência naquelas últimas horas, a dor e o desespero no rosto da mulher, tudo aquilo mexeu demais com ele.

Já estava na hora, afinal. Ele tá com 30 anos e um salário razoável. Por que não?

Dizem que o governo tornou as coisas mais fáceis, qualquer um podia comprar um carro no Brasil. Mas ele percebeu que se parcelasse em 60 vezes daria pra pagar quase duas vezes o preço. Aliás, que preço, hein? 30 mil reais por um carro pequeno, comum.

Mas foi esse o jeito. Diante das circunstâncias, não ter o carro é pior do que gastar com ele. Foi lá e comprou. Ter uma caranga facilitaria, inclusive, naqueles dias em que ele tem pós-graduação e volta pra casa mais tarde.

Aliás, outro dia na aula o professor falou que o ideal seria que as pessoas optassem pelo transporte público. Se a frota de carros continuar crescendo, o trânsito só vai piorar.

Trânsito. Ele começou a pensar com seus botões. Ele e a mulher moram longe de tudo, mas não deveriam ter carro porque o carro deles faz o trânsito piorar. E não é só o trânsito. Um carro a mais na rua gera mais poluição e aumenta o risco de acidentes.

Eles poderiam morar num bairro melhor e não precisar do carro, claro. Só que é tudo caro demais. Muito mais do que eles conseguem pagar.

Mas é a lei do mercado. Oferta e demanda, né?

Já sei! E se a oferta de imóveis aumentasse? Não reduziria os preços?

Nem pensar! Ele se lembrou daquela aula de urbanismo. O texto falava que o grande problema é a verticalização dos bairros. Casas térreas, históricas, sendo demolidas para dar lugar a prédios e condomínios. Uma concentração absurda de gente, criando ainda mais trânsito, mais barulho, poluição, trânsito, filas no supermercado, lotação nas lojas, etc. Absurdo!

Temos aí uma conclusão bastante curiosa. As pessoas têm a oportunidade de subir de vida, trabalhando e estudando, mas a opinião pública diz que o aumento do padrão de vida delas é responsável pela catástrofe urbana.

Não pode construir nada nos bairros centrais, porque isso aumenta a verticalização dessas áreas e a concentração de pessoas. Essas pessoas devem morar longe do centro. Mas elas não podem ter carro também, pra não piorar o trânsito.

Portanto, o governo deve agir em duas frentes: diminuir o acesso ao crédito (onde já se viu parcelar carro em 60 vezes?) e impedir a construção de prédios residenciais em regiões bem localizadas (esse pessoal da periferia que fique por lá).

Na minha terra, isso se chama eugenismo. Ou gulag.

Faz 6 anos que vim pra São Paulo. Por enquanto, ao invés de Paulicéia, só encontrei Piratininga.

18 de outubro de 2012

COXINHA, COMO NÃO SÊ-LO?



O pessoal adora pegar no pé deles. Os coxinhas. Traduzindo: Aqueles caras que tão sempre arrumadinhos, com cabelos penteados de um jeito tradicional e se vestem de forma discreta. Tentam passar a impressão de bons moços, com barba feita (ou muito bem aparada) e gesticulam pouco.

Cito alguns famosos como exemplo: Luciano Huck, Britto Jr. e Thiago Leifert.

Me chamaram de coxinha esses dias. Logo de cara eu achei que foi um insulto. Mas não, foi apenas um comentário.

Fui pra frente do espelho conferir.

Não tenho um corpo de deus grego, não dá pra andar por aí com roupa justa ou larga demais. Fico parecendo um bandido se me visto com alguma camiseta de banda de rock. Acessórios também não são o meu forte, não sei escolher direito e não acho que combinem comigo.
 
Só tento não errar. Para isso, a inevitável camisa pólo da Lacoste.

Um cabelo pouco amigável e uma barba repleta de falhas também não me permitem muitas variações no visual. Ser básico acaba sendo a única opção viável.

Tenho uma qualidade: Resisto bravamente ao sapatênis. Ainda não me convenceram que algo que “combina com tudo” pode ser correto.

Enfim, a essa altura do campeonato, melhor ser coxinha do que um pastel.

15 de outubro de 2012

A MICROSOFT CAUSOU UM GRANDE MAL À HUMANIDADE – MAS AINDA PODE SE REDIMIR




A Microsoft foi a grande responsável pela popularização dos computadores pessoais em todo o mundo. Uns falam da IBM, outros da Apple, mas não tem pra ninguém; foi Bill Gates com seu Windows que pegou na mão do cidadão comum e o apresentou às maravilhas da informática.


Isso lá no começo dos anos 90.

Só que isso foi um erro. Um erro da Microsoft e das outras empresas de tecnologia da época, que deveriam ter sido mais competentes e capazes de fornecer um produto melhor que o Windows. Ou minimamente competitivo. Ou que simplesmente funcione direito. Só.

Mas não foi isso que ocorreu. E o que houve? Todo mundo comprou o Windows (era o que tinha) e ele se tornou o padrão do mercado.

Daí tudo (tudo!) relacionado a processamento de sons e/ou imagens, pra parecer familiar aos olhos do usuário, ficou parecido com o Windows. Tudo.

O problema é que o Windows é um sistema ruim, feito a partir de uma concepção errada de que tudo deve ser customizável e adaptável. O resultado é essa colcha de retalhos, repleta de improvisos, em que os programas são capengas, funcionam de forma imprevisível e os dados são amontoados de qualquer jeito.
 
Exportar o padrão Windows para outros dispositivos, logicamente, fez com que esses aparelhos passassem a apresentar os mesmos vícios & defeitos.

Quer ter internet no computador? Instale e configure o modem. Quer um drive? Instale, configure e baixe as certificações necessárias. Quer ter wi-fi em casa? Configure a rede, instale o roteador e atualize o sistema. Impressora? Instale o dispositivo e o programinha inútil cheio de figurinhas que vem com ele e faça a certificação online da garantia. Quer plugar sua máquina fotográfica digital pra guardar suas fotos? Instale os drivers da câmera e reze pra ser compatível com a versão atual do seu sistema. Quer usar um mísero pen-drive? Idem acima.

O resultado: Qualquer tarefa que você for fazer diante de um computador virou uma guerra perdida contra o tempo. A velocidade de processamento prometida pela informática passou a ser compensada, com folga, pelo desperdício de horas que você passa convencendo a máquina a fazer aquilo que você tá pedindo que ela faça.

Mas a praga devoradora de horas não ficou restrita aos PCs e seus periféricos. Ela se alastrou para outros eletroeletrônicos e agora celulares, vídeo-games, aparelhos de música, TVs e outros passaram a lhe exigir tempo para formatar, verificar, padronizar, certificar, etc. Igualmente, todos passaram a apresentar os vícios do velho Windows.

Você quer falar com alguém pelo celular? Precisa antes customizá-lo. Quer jogar um game pra se distrair? Tem que configurar ou carregar as suas pré-configurações. Tá afim de ouvir música? Antes, você deve verificar as atualizações do seu player. E colocar aquele filminho legal pra rodar na TV? Confira se o codec de áudio e vídeo é compatível com o aparelho.

Ou seja, exatamente todo aquele tempo que você perde quando está no computador, esperando ele carregar as benditas atualizações, configurações, etc., agora também será perdido quando você estiver diante de um eletroeletrônico qualquer.

Eu imagino o sadismo das pessoas responsáveis por isso.


Ahá! Esse idiota quer se comunicar com alguém ou se distrair? Pois ele terá que dar boot em tudo, atualizar sempre que for usar o aparelho e carregar todas as configurações pré-definidas só para ligá-lo. Ainda não conseguimos fazer o cretino passar por isso quando ele abre a torneira ou acende a lâmpada, mas a gente chega lá. Chegaremos ao dia em que pra cortar um pedaço de pão o pobre coitado precisará configurar a faca, instalar o driver do cabo, customizar a lâmina e realizar a certificação digital da fatia antes de passar a manteiga (desde que, lógico, esta seja compatível com o formato do arquivo fatia.pao)”.


O Windows ser ruim é um problema mesmo. Só que o problema maior é que nos acostumamos com sua ruindade. Todo mundo toma esse padrão xexelento como normal, uma fatalidade inescapável, e tenta conviver com isso.

Só que esse conformismo é perigoso. Não é normal um produto que custa centenas ou milhares de reais não funcionar direito. Não é normal. Não pode ser normal. Não por esse preço.

Vamos brincar de matemática. Some o preço de cada um dos itens que eu citei lá em cima. Computador, impressora, vídeo-game, televisão, celular, aparelho de som, câmera, etc. O resultado dá vários milhares de reais. Daria pra comprar um carro com esse valor. Um carro! Uma tecnologia quase ancestral hoje em dia, mas concebido em uma época em que produtos eram feitos pra funcionar direito.

Quer comparar?

Imagine você lá, guiando tranquilamente seu carro numa estrada, a 100 km/h, daí você toma uma fechada de alguém e ao pisar no freio aparece no para-brisa a mensagem “Esse dispositivo executou uma ação inesperada e seu funcionamento será interrompido. Enviar relatório de erros? [SIM] ou [NÃO]”. Deve ser emocionante.

Por isso que digo que a Microsoft casou um mal à humanidade. É uma empresa que incutiu na cabeça de todo mundo que ser medíocre é OK, que não tem problema conceber produtos ruins e que não funcionem.

Mas acho que tem como a Microsoft se redimir, ao menos em parte, por todo esse mal. Basta que nas próximas versões do Power Point ela limite o número de caracteres por slide. Digamos, 140 caracteres por slide, já que todo mundo tá acostumando com padrão do Twitter mesmo. Isso não resolveria os problemas da humanidade, mas seria um bom começo. Eliminaria aquelas apresentações horrorosas em que o palestrante fica de costas pra plateia lendo o texto que sai do projetor.

Bill Gates, agora é contigo!

10 de outubro de 2012

TODO MUNDO ODEIA O CRIS OU NINGUÉM SABE O QUE FAZER COM ELE?



Na semana em que foi empossado o primeiro presidente negro da história do STF, Joaquim Barbosa, é difícil não tocar no assunto.

Lógico que fiquei contente. Assim como também fiquei quando o Obama foi pra Casa Branca. Mas não contente daquele tipo “oba, agora ‘eles’ vão ter que nos engolir e nos dar valor”. Nada disso.

A entrada desses dois negros no poder só confirma uma impressão que tenho há algum tempo: o mercado não sabe o que fazer com os negros e os empurra ao serviço público.

Há alguns anos, quando vim pra São Paulo trabalhar no Governo, entrei pela primeira vez em uma repartição, próxima à Praça da Sé. Minha primeira impressão: muitas mulheres, várias delas negras.

Hoje já me acostumei. Trabalho em um prédio bacana, espelhado, nos Jardins, a duas quadras da Av. Paulista e minha diretora é mulher. E negra. Estou satisfeito com isso.

Mas eu tentei trabalhar no mercado. Juro que tentei. Bancos, financeiras, corretoras, consultorias, multinacionais. Todos receberam meu curriculum de economista. E olha que lá consta a minha graduação numa universidade reconhecida, das melhores do país, que está sempre na parte de cima dos rankings feitos por aí. Isso é o que eles dizem.

Não virou nada, lógico. Eu não tinha perfil, lógico. Isso é o que eles dizem.

O caso mais interessante em que fui recusado aconteceu numa seleção do Itaú. Fui concorrer a uma vaga daquilo que eles chamam de trainee. O pacote era completo: terno obrigatório, dinâmica de grupo, palestra motivacional, apresentações cronometradas, briefing feito com cartolina sentado no chão e todas aquelas formas de constrangimento conhecidas.

A recrutadora era uma loirinha bonita e simpática. Devia ter no máximo uns 3 anos a mais que eu. Ela pareceu o tempo todo muito curiosa a meu respeito.

Primeiro ela estranhou o meu sotaque. Você é paulista mesmo?

Depois ela perguntou se eu havia estudado em colégio público. Respondi que não e ela fez a mesma cara que uma mãe faz quando sabe que o filho está escondendo alguma travessura.

Ao fim da dinâmica, ela pediu pra cada um contar seu “diferencial” para a empresa. Eu disse que gosto de ler, tenho facilidade com línguas e que convivo bem com gente de qualquer origem social, já que na minha família tem de tudo um pouco.


Foi a deixa que a recrutadora estava esperando. Primeiro ela perguntou como era a casa em que eu cresci. Disse que era normal. Pai, mãe, irmã, três quartos, quintal com grama, sacada com rede (quando mudamos para um apartamento), TV em cada quarto, aparelho de som na sala, vídeo-game, empregada, livros e gibis na estante, etc. Ela disse que eu podia me soltar e não precisava esconder nada.

A essa altura eu já havia sacado onde ela queria chegar. Tentei me defender e disse que meus pais davam aula numa universidade federal, enfatizando o “federal”. Ela fingiu que acreditou e passou a fazer perguntas pra outro candidato.

Minutos depois ela separa a turma em dois grupos. Um grupo permanece na sala, outro é dirigido a um corredor ao lado. Eu era do grupo que foi pro corredor.

Estava fora, claro. Mas a recrutadora ainda fazia uma entrevista reservada com cada um dos excluídos, pra ver se o sujeito tinha algo interessante a dizer e ainda conseguir uma segunda chance. Uma espécie de repescagem.

Na minha vez, ela perguntou o que eu havia achado do processo. Falei que não esperava tantas perguntas pessoais, mas que tentei responder a tudo de forma sincera, afinal não tinha nada a esconder.

Foi a segunda deixa que eu dei pra recrutadora naquela tarde.

Ela: Você devia ter aproveitado melhor os seus diferenciais. Eu te fiz  perguntas pessoais exatamente pra você poder se destacar dos outros candidatos.

Eu: Não entendi. Como assim, me destacar?

Ela: Você devia falar sobre as suas origens, a sua vivência, você é diferente, devia ter falado mais sobre isso, usar a seu favor.

Eu: Diferente em quê? Todos aqui estudaram no mesmo tipo de escola, fizeram o mesmo tipo de faculdade, temos padrão de vida mais ou menos igual, com famílias parecidas, com gostos parecidos. No que eu sou diferente?

Ela: Não sei. Você tinha que ter usado isso, Álvaro. Suas origens...

Já não havia mais nada a ser dito. Recolhi meu paletó e fui embora.

Eu nunca fui a favor das cotas raciais em nossas universidades. Mas claro que depois desse episódio eu passei a ser totalmente contra, já que simplesmente não fazem sentido. Ser preto com um diplomão na parede não te garante nada.

Alguns anos se passaram daquela entrevista de emprego. Mais recentemente começaram a transmitir no Brasil o seriado “Todo Mundo Odeia o Cris”, em que o protagonista, um garotinho negro de boa família, estuda num colégio de brancos em Nova York.

Dou muitas e boas risadas com os comentários de uma das professoras do garoto, a Senhorita Morello. Inocente, ela sempre diz coisas como “Cris, os seus colegas irão fazer lembrancinhas pra entregar no Dia dos Pais, mas eu sei que seu pai está preso e assim você não precisa participar se não quiser, tudo bem?”. Ou “Cris, se quiser pode chegar atrasado de vez em quando, eu sei que a sua mãe é viciada em crack e isso deve tomar muito tempo seu e dos seus 17 irmãos”.

Embora seja uma caricatura, sempre que vejo a Senhorita Morello na TV eu me lembro da loirinha que me barrou naquela seleção de emprego do Itaú. Elas são a imagem perfeita de um sistema que simplesmente não sabe lidar comigo.