São
Paulo vem deixando de lado seu complexo de patinho feio. Com boas opções no
segmento de artes & entretenimento, a maioria das pessoas que moram na
cidade dificilmente a trocaria por outra do Brasil. Outrora capital
gastronômica do hemisfério sul, hoje há quem diga que a Pauliceia
transformou-se também na capital cultural do país. Será?
Há
um problema nessa tese. Aliás, dois. O mais óbvio: Rio de Janeiro.
É
verdade que no exterior não ouvimos mais falar só “Riow de Janeirow” quando nos
reconhecem como brasileiros. Hoje em dia alguns gringos perguntados sobre qual a
capital do país, ao invés de tascarem o batido “Buenos Aires”, balbuciam um
tímido “Sáo Pauloum”. Pelo poderio econômico reconquistado na última década,
São Paulo, além de importar imigrantes, tem exportado turistas mundo afora. A
cidade está mais conhecida. Até o Minhocão ficou pop!
Mas
ainda não há o que comparar com o Rio. Carnaval, Copacabana, Bossa Nova,
Olimpíada. Resta pouco a ser dito sobre o Brasil se excluirmos os cariocas da
conversa.
Outra
falha na tese de que SP está passando a ser o centro da cultura brasileira: a
capital paulista já teve um papel muito mais importante nesse sentido do que
hoje em dia.
Li
há pouco (tardiamente, eu sei) “Feliz Ano Velho”, do Marcelo Rubens Paiva. A
história se passa na virada dos anos 70 para os 80. É um momento de grandes
transformações no cotidiano do país. A classe média procura se repolitizar numa
era pós-MDB. A economia tenta se refazer do golpe tomado pelo choque do
petróleo. Movimentos como Jovem Guarda e Cinema Novo já tinham ficado pra trás.
É
quando São Paulo assume de vez a condição de metrópole – contraditória, brutal
e cosmopolita. Nesse contexto são forjados os sindicatos do ABC, que
culminariam na criação do PT e na campanha das Diretas Já. Surge toda uma nova
geração de cronistas e escritores, como Reinaldo Moraes e o próprio Marcelo.
Cineastas como Walter Hugo Khoury e Carlos Reichenbach dão uma outra dimensão
aos filmes da Boca do Lixo. Na música, os experimentalismos de Itamar Assumpção
e Arrigo Barnabé convivem com o samba do Premeditando o Breque e o punk dos
Inocentes. Uma mistura, aliás, que resulta na maior banda paulista da história:
Titãs. Um caldeirão que ainda nos trouxe os cartunistas Angeli, Glauco e
Laerte, o rock divertido do Ultraje a Rigor e a Democracia Corinthiana.
Foi
uma época em que São Paulo não se contentou em ser o centro financeiro do país.
Os paulistas ditavam tendências, influenciavam corações e mentes Brasil a fora.
O país parava pra assistir multidões se aglomerando em pleno Vale do
Anhangabaú. Jovens de todos os estados vinham conhecer a Galeria do Rock,
dançar break na Estação São Bento e tentar uma vaga no Teatro de Oficina.
Não
há mais nada na cidade que sequer lembre esses tempos. Apenas eventos isolados,
como Virada Cultural, Fashion Week e uma ou outra competição esportiva são
capazes de despertar a curiosidade de quem não mora aqui.
E
o que aconteceu nesse meio tempo para SP mudar tanto? Bem, eu moro em São Paulo
há apenas 6 anos. Mas tenho uma hipótese que tenta explicar essa degeneração.
Vamos lá.
A
cidade sempre foi dependente de seu poderio econômico. De proporções
gigantescas, a cidade é cara, tudo fica longe e as melhores opções são sempre
disputadas. A economia brasileira patinou nos anos 80 e 90 – e São Paulo sendo
a cidade mais rica sentiu o baque de forma mais dura. Com menos dinheiro
circulando, a qualidade de vida na cidade despencou e os indicadores sociais
pioraram.
Demagogos
e conservadores fizeram a festa, levando a sociedade a crer que a melhor
solução ao indivíduo é se isolar da coletividade a fim de manter consigo o
pouco que restava. São Paulo, assim, perdeu sua vocação à mistura. Virou uma
cidade compostas por ilhas e “gente diferenciada”.
Os
anos 2000 vieram com um novo salto na economia. Os problemas sociais mais
graves se foram. Mas a mentalidade permaneceu. Gilberto Kassab é o símbolo da
era “São Paulo para os paulistanos”. Deixa como legado um município rico,
provinciano e sem graça.
Nenhuma
música de sucesso, nenhum filme digno de nota, nenhum best-seller na livraria,
nada disso foi feito tendo São Paulo como tema ou cenário nos últimos anos. Nem
novelas são rodadas mais aqui.
Capital
cultural? Sim, SP já trilhou esse caminho. Chegou a percorrer boa parte do
percurso. Afinal, foi e continuará sendo a locomotiva do Brasil na parte
econômica. A grana tá aqui. Mas por não saber se transformar numa cidade de
fato perdeu o bonde da história – o que tem a ver com aquela constante sensação
de que estamos sempre atrasados pra chegar a algum lugar.