15 de setembro de 2012

SÃO PAULO PERDEU O BONDE


São Paulo vem deixando de lado seu complexo de patinho feio. Com boas opções no segmento de artes & entretenimento, a maioria das pessoas que moram na cidade dificilmente a trocaria por outra do Brasil. Outrora capital gastronômica do hemisfério sul, hoje há quem diga que a Pauliceia transformou-se também na capital cultural do país. Será?

Há um problema nessa tese. Aliás, dois. O mais óbvio: Rio de Janeiro.

É verdade que no exterior não ouvimos mais falar só “Riow de Janeirow” quando nos reconhecem como brasileiros. Hoje em dia alguns gringos perguntados sobre qual a capital do país, ao invés de tascarem o batido “Buenos Aires”, balbuciam um tímido “Sáo Pauloum”. Pelo poderio econômico reconquistado na última década, São Paulo, além de importar imigrantes, tem exportado turistas mundo afora. A cidade está mais conhecida. Até o Minhocão ficou pop!

Mas ainda não há o que comparar com o Rio. Carnaval, Copacabana, Bossa Nova, Olimpíada. Resta pouco a ser dito sobre o Brasil se excluirmos os cariocas da conversa.

Outra falha na tese de que SP está passando a ser o centro da cultura brasileira: a capital paulista já teve um papel muito mais importante nesse sentido do que hoje em dia.


Li há pouco (tardiamente, eu sei) “Feliz Ano Velho”, do Marcelo Rubens Paiva. A história se passa na virada dos anos 70 para os 80. É um momento de grandes transformações no cotidiano do país. A classe média procura se repolitizar numa era pós-MDB. A economia tenta se refazer do golpe tomado pelo choque do petróleo. Movimentos como Jovem Guarda e Cinema Novo já tinham ficado pra trás.

É quando São Paulo assume de vez a condição de metrópole – contraditória, brutal e cosmopolita. Nesse contexto são forjados os sindicatos do ABC, que culminariam na criação do PT e na campanha das Diretas Já. Surge toda uma nova geração de cronistas e escritores, como Reinaldo Moraes e o próprio Marcelo. Cineastas como Walter Hugo Khoury e Carlos Reichenbach dão uma outra dimensão aos filmes da Boca do Lixo. Na música, os experimentalismos de Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé convivem com o samba do Premeditando o Breque e o punk dos Inocentes. Uma mistura, aliás, que resulta na maior banda paulista da história: Titãs. Um caldeirão que ainda nos trouxe os cartunistas Angeli, Glauco e Laerte, o rock divertido do Ultraje a Rigor e a Democracia Corinthiana.

Foi uma época em que São Paulo não se contentou em ser o centro financeiro do país. Os paulistas ditavam tendências, influenciavam corações e mentes Brasil a fora. O país parava pra assistir multidões se aglomerando em pleno Vale do Anhangabaú. Jovens de todos os estados vinham conhecer a Galeria do Rock, dançar break na Estação São Bento e tentar uma vaga no Teatro de Oficina.

Não há mais nada na cidade que sequer lembre esses tempos. Apenas eventos isolados, como Virada Cultural, Fashion Week e uma ou outra competição esportiva são capazes de despertar a curiosidade de quem não mora aqui.

E o que aconteceu nesse meio tempo para SP mudar tanto? Bem, eu moro em São Paulo há apenas 6 anos. Mas tenho uma hipótese que tenta explicar essa degeneração. Vamos lá.

A cidade sempre foi dependente de seu poderio econômico. De proporções gigantescas, a cidade é cara, tudo fica longe e as melhores opções são sempre disputadas. A economia brasileira patinou nos anos 80 e 90 – e São Paulo sendo a cidade mais rica sentiu o baque de forma mais dura. Com menos dinheiro circulando, a qualidade de vida na cidade despencou e os indicadores sociais pioraram.

Demagogos e conservadores fizeram a festa, levando a sociedade a crer que a melhor solução ao indivíduo é se isolar da coletividade a fim de manter consigo o pouco que restava. São Paulo, assim, perdeu sua vocação à mistura. Virou uma cidade compostas por ilhas e “gente diferenciada”.

Os anos 2000 vieram com um novo salto na economia. Os problemas sociais mais graves se foram. Mas a mentalidade permaneceu. Gilberto Kassab é o símbolo da era “São Paulo para os paulistanos”. Deixa como legado um município rico, provinciano e sem graça.

Nenhuma música de sucesso, nenhum filme digno de nota, nenhum best-seller na livraria, nada disso foi feito tendo São Paulo como tema ou cenário nos últimos anos. Nem novelas são rodadas mais aqui. 


Capital cultural? Sim, SP já trilhou esse caminho. Chegou a percorrer boa parte do percurso. Afinal, foi e continuará sendo a locomotiva do Brasil na parte econômica. A grana tá aqui. Mas por não saber se transformar numa cidade de fato perdeu o bonde da história – o que tem a ver com aquela constante sensação de que estamos sempre atrasados pra chegar a algum lugar.


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